Pólítica com tempero: o blog de curiosidades gastronômicas sobre acontecimentos sociais, políticos e culturais

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

De outros carnavais

Um lugar onde o deus Baco, ou Dionísio, se sentiria lisonjeado, representado e honrado. Assim é a cidade de Bento Gonçalves (RS), onde acontece, até dia 24 de fevereiro, a Fenavinho – Festa e Feira Nacional do Vinho. O evento concentra 120 vinícolas de diversas regiões do Brasil. As estimativas são de que 120 mil pessoas devam passar pelo local até a terça-feira de carnaval.

Vendo um evento deste porte, com alto grau de profissionalismo e organização, não se pode deixar de pensar na diversidade brasileira: são vários países em um só. Na região do Vale dos Vinhedos, uma das únicas áreas demarcadas de vinhos reconhecidas pela União Europeia na América do Sul, amanhã não é uma data especial porque começa o carnaval. Pelo contrário, é um momento mais do que sagrado: época de colheita da uva.

Não haverá trios elétricos, axé, samba, funk ou qualquer outra expressão da cultura popular carnavalesca brasileira. Mas sim trabalho árduo em torno de uma verdadeira paixão, e necessidade econômica, da região: fazer bons vinhos, honrando a memória de Baco.

Vinícolas como Grupo Domno Brasil, Salton, Miolo, Lídio Carraro e Aurora estarão a todo vapor, enquanto os foliões se amontoam pelas ruas de Salvador, Recife, Olinda, entre tantas outras cidades nordestinas. Viva a diversidade!

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Na foto, a fonte de vinho que abre a feira.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Comida, diversão, arte e... educação

Só se faz um país com um sistema educacional de qualidade. Essa ideia, apesar de altamente clichê, deve ser constantemente repetida, pois não é relembrada. Nos últimos dias, mais exemplos e fatos mostraram que a educação brasileira vai de mal a pior.

Vários, e complexos, fatores guiam um país rumo a um sistema educacional eficiente, que consiga formar uma massa crítica e lançar profissionais de qualidade no mercado de trabalho. Entre eles, está a formação e atualização dos professores, a infra-estrutura das escolas e, em grande parte, a alimentação dos alunos. Sim, a comida servida. Criança que come mal apresenta grande dificuldade de aprendizado. Não é preciso ser nenhum gênio para entender por que.

Por isso, entre todas as notícias apresentadas recentemente sobre educação, assustei-me com a fraude da merenda escolar. Mesmo essa notícia não é novidade: em 2003, em Fortaleza e em 2007, no Maranhão – coincidentemente o estado do novo presidente do Senado – houve denúncias de superfaturamento, compra ilícita e terceirização de merenda. As crianças chegaram a ficar sem ter o que comer. Agora, acontece em São Paulo e também em Cotia: comida estragada e quantidades ínfimas de alimentos são distribuídas. Em 2007, a SP Alimentos já havia sido acusada de oferecer propina para conseguir a licitação. O problema é endêmico.

Onde está o poder público e a imprensa – que inicialmente noticiou o fato com grande enfoque e agora já o tirou da mídia?

Outro fato alarmante foi o nível dos professores avaliado por uma prova realizada pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, segundo informações da coluna de Gilberto Dimenstein desta quarta-feira, na Folha de São Paulo. 40% dos 48 mil alfabetizadores avaliados seriam reprovados com nota menor do que cinco. Três mil tiraram zero!

A pergunta que fica é: se todo mundo sabe o que deve ser feito, por que tão poucos fazem? Um dos principais motivos dos governantes para não investir no setor é óbvio: demora a haver retorno, a melhora do ensino não é palpável e visível, como fazer uma ponte, por exemplo. Além disso, na construção civil, é mais fácil superfaturar, desviar, realizar atos ilícitos...
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Sexta-feira 13
Depois de Temer e Sarney, tivemos uma semana de Edmar, de Yeda, de dois acidentes de avião e o caso Eluana Englaro. Desculpem-me todos os religiosos e dogmáticos que foram contra a autanásia da italiana, mas a jovem já não tinha vida há muito tempo. Basta pensar na comida. Sabe o que Eluana comeu nos últimos 17 anos, que alimentos ingeriu? Nada, nenhum! É difícil imaginar o corpo de uma italiana que não consumiu nem um pratinho de macarrão em todo esse tempo. Por mais que estivesse recebendo todos os nutrientes necessários, a jovem já pesava menos de 40 quilos.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Zac Efron ou João Pedro Stedile

Quando entrei na faculdade, há exatos dez anos, o MST (Movimento Sem Terra) era a High School Musical do corpo discente - e do docente em grande parte – da universidade pública, ganhando status de celebridade. Hoje, vindo ao trabalho, li a reportagem “Frente a frente”, de Phydia de Athayde, na Carta Capital, sobre as atuações mais recentes do movimento, e me perguntei: o que mudou tanto de lá para cá?

A resposta é: tudo. Eu mudei, a sociedade mudou, a universidade idem, o País mudou e, acima de tudo, o MST mudou. E muito! Em finais da década de 1990, a sigla significava esperança para a população de um modo geral. Exemplo de que era possível se organizar em busca de um objetivo comum e combater as grandes injustiças que assolam o País, como a concentração fundiária.

Visitar o acampamento do MST na saída de Bauru era quase lição de casa para quem fizesse um curso de humanas no campus da Unesp na cidade. Lembro-me de olhar o chão de barro batido, as tendas de lona preta e as crianças brincando felizes com pés cobertos da fina terra vermelha. Mas, acima de tudo, recordo-me do cheiro da comida, requentada em marmitas de alumínio em pequenos fogões de camping. O menu incluía arroz com feijão ralo, macarrão e ovo frito. Tudo junto e misturado.

Acreditem: tinha gente da minha sala, pessoas com teto, universitários, que moravam lá com eles, no acampamento, tamanho o fascínio que causavam.

Hoje, como mostra a matéria da Carta Capital, o MST vive de tentar fazer a vida do gerente-geral da Vale, José Rogério de Paula e Silva, um inferno. O líder do movimento, João Pedro Stedile, responde a diversos inquéritos criminais na justiça e tem, por trás dele, uma ampla gama de advogados gabaritados, que, certamente, almoçam em bons restaurantes. Nada semelhante à legitimidade das bases do movimento no final do século passado.

Só me pergunto o que estão fazendo aquelas crianças, hoje adultos, que corriam pela terra batida no calor de Bauru. Desertaram do movimento? Conseguiram seu pedaço de terra? Tentaram a vida marginal em uma grande cidade? Questionamentos que dificilmente serão respondidos.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Bolo econômico


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-ministro Antonio Delfim Netto e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo encontram-se quinzenalmente para aliar duas paixões: discutir economia e experimentar alta gastronomia. Fato corriqueiro entre amigos, mas que, em se tratando dos nomes em questão, pode ter consequências que afetam o futuro do País, o meu e o seu.

Na última semana, o estabelecimento escolhido para sediar a reunião foi o restaurante Massimo, localizado na Alameda Santos, em São Paulo. A escolha é um tanto óbvia. O estabelecimento é queridinho na elite paulistana, oferece comida italiana de qualidade e só. Em outras palavras: nada que justifique os preços exorbitantes.

O local pertence aos irmãos piemonteses Massimo e Venanzio Ferrari e possui receitas que são segredos de família mantidos por mais de 50 anos. Entre os pratos de destaque, estão: costeleta de cabrito, grelhado dos pescadores ou espaguete ao catoccio. Eu chutaria que Delfim pediu o primeiro. Para acompanhar, um bom vinho italiano que vale tanto quando uma família recebe por mês do bolsa família.

A pauta certamente envolve, entre outras questões, a maneira como a crise financeira internacional atinge o Brasil durante este ano. Afinal, o ministro finalmente reconheceu que o “descolamento” que pregava – grosso modo, pode ser traduzido como a crença de que a economia nacional estava fortalecida e seria menos afetada – não aconteceu.

Leio o que Delfim tem a dizer às quartas-feiras na Folha de São Paulo, porém, a vertente moderna não me convence. Sempre alio a imagem dele ao homem que queria fazer o bolo da economia crescer para depois dividi-lo. Já Beluzzo trabalhou para Sarney e Quércia. Ultimamente, faz de tudo um pouco: preside o Palmeiras e dá consultorias econômicas ao presidente Lula. Faz parte do conselho diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde estudei.

Imagino que as soluções encontradas sejam tão ortodoxas quanto o restaurante escolhido. Quem perde é a economia brasileira, que deve continuar encolhendo, enquanto as altas taxas de juros são cortadas em patamares ínfimos.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Marias Antonietas brasileiras

“Se não tem pão, que comam brioches”. A famosa frase atribuída a Maria Antonieta – não se sabe ao certo se foi dita por ela, mas sem dúvidas poderia ter sido – entrou para a história por representar a ostentação em meio à pobreza, tocando, além de tudo, no direito mais básico de todo ser-humano: fazer, no mínimo, três refeições diárias. Infelizmente, o Brasil, assim como tantos outros países com números alarmantes de desigualdade social, está lotado de Marias Antonietas.

Duas delas me chocaram nos últimos dias.

A primeira e a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB). Em meio a turbulências internacionais, corte de cargos, anúncio de que o PIB do Brasil pode crescer míseros 0,5% em 2009 e até catástrofes causadas pela chuva no estado que administra, a tucana resolveu encomendar um “aviãozinho” de 26 milhões de dólares. Acho que nem é preciso dizer mais nada.

A segunda é uma singela elefanta cor-de-rosa: a casa noturna Pink Elephant, que foi recentemente inaugurada em São Paulo. Importado, o estabelecimento é nova-iorquino, com duas casas por lá, possui ainda uma sucursal em Utah, outra na Riviera francesa e São Paulo, no Jardim Europa!

Estima-se que a unidade brasileira custou aproximadamente 4 milhões de reais, segundo fontes não oficiais, e conta com pequenos “mimos”, como duas garçonetes por mesa e um banheiro com produtos Dior, exclusivo para convidados VIP. A capital paulista é realmente uma cidade elitista, sem capacidade para perceber que ostentar, especialmente em um país como o Brasil, não é chique.

O estilo Maria Antonieta está sempre em alta em terras tupiniquins. Ícones são ícones. Os brioches estão aí para comprovar.

PS: quer comer um bom brioche em São Paulo? Experimente a Mercearia do Francês.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Jockey, luxo e dívida de IPTU


Primeiro, a Daslu. Agora, o Jockey. Parece que dar calote em impostos virou uma prática comum, e necessária, entre os ícones de poder e luxo da cidade de São Paulo. O Jockey Club deve a bagatela de 180 milhões de reais de IPTU para a prefeitura paulistana, segundo a coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo deste domingo.

Qualquer empresário conhece o preço dos impostos, o quanto é complicado manter um negócio no Brasil por causa deles. Mas não pagá-los pode representar suicídio para micro ou pequena empresas. Entretanto, para os poderosos, a certeza da impunidade é tamanha que parece muito simples: praxe - essa é uma das palavras que mais me assustam, sempre justificando atitudes ilícitas. Ou seja, é o tipo de luxo apenas permitido aos grandes.

Exercendo o ofício de faturar às custas do vício alheio, o Jockey Club, com certeza, não enfrenta grandes crises: o local ainda é palco de alguns dos mais badalados eventos da cidade, incluindo casamentos de celebridades e eventos de socialites. O Cânter Bar, restaurante próximo ao local das corridas, possui um dos almoços com a pior relação custo-benefício que já pude verificar, caríssimo para o que oferece.

Porém, a gastronomia do Jockey se exime de qualquer pecado graças à unidade do restaurante Charlô, do chef homônimo, ícone da boa cozinha da cidade de São Paulo. Ainda tem uma filial da Mercearia São Roque, que ganha status de baladinha entre playboys e patricinhas da cidade.

Como sempre, a solução da prefeitura para o problema é muito simples para os interesses gerais dos mais abastados: comprar o terreno, o que ainda custaria 120 milhões de reais aos cofres públcos, abatendo a dívida de IPTU dos 300 milhões de reais em que a propriedade é avaliada. Dinheiro esse que sai do seu imposto, aquele pago todo começo de ano em cota única ou parcelado.