Pólítica com tempero: o blog de curiosidades gastronômicas sobre acontecimentos sociais, políticos e culturais

quinta-feira, 19 de março de 2009

Comemoração do dia!

Acabei de ler uma notícia sensacional no New York Times: A Câmara norte-americana aprovou por 328, contra 93, uma taxação de 90% sobre os bônus pagos para executivos de empresas em “salvamento”. Não tenho grande simpatia pelos EUA, mas tenho que tirar o chapéu, pois foi uma saída de mestre! Desta forma, 90% do que for pago aos executivos da AIG será devolvido aos cofres públicos. Agora, o projeto precisa da aprovação do senado, o que deve acontecer rapidamente.

Se fosse no Brasil, a votação só terminaria ao final da crise.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Cassação e fome

Pela primeira vez na história, um ditador em exercício foi punido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Seria um fato pouquíssimo questionável por qualquer defensor da democracia não fosse um pequeno detalhe: ele é líder da República do Sudão, um dos países mais pobres e conflituosos da África. Será que se fosse líder de uma nação com alguma relevância econômica internacional – como tantos outros ditadores espalhados por aí – teria recebido o mesmo tratamento?

De qualquer forma, é claro que a punição a um ditador como Omar Hassan al-Bashir, que chegou ao poder por meio de golpe de estado, merece muitas comemorações – fogos do artifício até. O presidente foi condenado por crimes de guerra, genocídio e crime contra a humanidade, graças a conflito que se estende desde 2003 na região sudanesa de Darfur.

Enquanto o TPI estuda ainda como impor a sanção ao ditador - o que é complicado em muitos pontos, podendo ferir a soberania do Sudão - a população do maior país africano continua definhando. Desde que os primeiros conflitos sudaneses começaram – há aproximadamente quatro décadas – calcula-se que 1,5 milhões de pessoas já tenham sido vitimadas, segundo estatísticas da ONU.

Deste montante, há uma parcela que morre em decorrência direta da luta armada, mas, grande parte padece de um mal que mata lenta e dolorosamente: a fome. Falta todo tipo de alimento no local. O conflito não permite que haja produção de alimento, nem que eles sejam entregues, o que torna comida fornecida pelos organismos internacionais insuficiente.

Resultado: todas as crianças têm pouco peso e a maioria delas atinge estágios irreversíveis de desnutrição. Cada dia representa uma guerra diária para fazer alguma refeição.

Apesar de todos esses problemas, é de se estranhar que o Sudão apareça tão pouco na mídia, brasileira ou mundial. Mesmo com a cassação do presidente, fato de extrema relevância para a história do TPI, houve repercussão irrisória nos grandes meios. A mídia perde, o mundo perde e, principalmente, o Sudão perde.
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PS: Com essa luz do fim do túnel, é de se esperar que outros ditadores também sejam punidos e afastados do cargo. Tomara.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Rabada com polenta: patrimônio nacional

O prato predileto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele mesmo, é rabada com polenta. Completamente previsível e bastante emblemático. Mesmo que Lula fosse apaixonado por Foie Gras, com Creme Burleé para sobremesa, jamais reconheceria em público e comeria em alguma sala arquisecreta da Granja do Torto. Afinal, como homem carismático com rompantes populistas que é, Lula certamente sabe que a gastronomia é um ponto que consegue unir pessoas, com a mesma força que as separa – aliás, é exatamente por isso que esse blog existe.

Já inventaram, até mesmo, um termo denominado “Comfort Food” para determinar, por exemplo, aquela sensação com a qual nos deparamos ao cheirar um tempero que remeta às raízes, à casa da mãe ou da avó, à merenda do colégio – claro que isso só acontece quando todos esses itens trazem boas lembranças. Quando um presidente brasileiro diz que, entre todas as comidas do mundo, escolhe rabada com polenta, mostra-se alinhado com as bases demográficas do País, em consonância com as origens pernambucanas e se torna, assim, um homem do povo. De bobo, não tem nem o cardápio do almoço.

Coincidência ou não, de uns tempos para cá, comer rabada é Cult. Bons restaurantes de São Paulo servem o prato e há até “bibocas” que se tornam rapidamente pontos “descolados” por oferecer boas versões a preços módicos. Além disso, não se pode negar a contribuição do chef Alex Atala, que, depois de ser reconhecido internacionalmente, ganhou passe livre para ditar tendências e mostrar a um povo que pouco valoriza as suas raízes culturais o quanto elas são ricas e especiais.

Mais que um prato, a rabada com polenta é a expressão de uma cultura, que, cada vez mais, deixa de ser marginalizada para entrar no circuito oficial.

PIMENTA: Como também não era bobo, quando presidente, Fernando Henrique Cardoso declarava que seu prato predileto era picadinho. Essa era um pouco mais difícil de acreditar.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Oligarcas maranhenses

As comidas típicas do Maranhão refletem as raízes de um dos estados brasileiros que mais se assemelha ainda a uma capitania hereditária. Misturando influências dos sertanejos, índios, portugueses e africanos, a gastronomia é muito rica. Entre os pratos procedentes da primeira origem, estão: carne-de-sol com aipim, galinha caipira, peixada e pato guisado.

Mas realmente são os escravos africanos que mais colaboraram para a formação de receitas criativas e saborosas, que agregam misturas até então inusitadas. O principal expoente é arroz-de-cuxá (foto), uma mistura de camarão fresco, camarão seco, vinagreira (verdura típica da região), arroz e temperos. As raízes que ajudaram a criar essas iguarias gastronômicas são as mesmas que até hoje mantém o estado maranhense impregnado por escravidão e sofrimento. Compõe-se assim uma população alijada, com baixa escolaridade, que acaba mantendo os mesmos comandantes oligárquicos no poder.

Em outras palavras: é um dos maiores grotões brasileiros. A família Sarney manda e desmanda como se fosse dona do estado. E de fato é. Os Sarneys possuem quatro emissoras de TV, o maior jornal impresso, 14 emissoras de rádio, uma ilha e diversas propriedades, além de governar o Maranhão há 42 anos, com políticos da família ou títeres comandados por ela.

A influência dos oligarcas no estado tem origens históricas: começaram como intermediários das aplicações de verbas da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e, posteriormente, da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). O mais irônico é que essas entidades, que foram criadas para diminuir a disparidade entre os estados do Norte e Nordeste e as demais regiões do País, tornaram-se as maiores fontes de desigualdade, alimentando as elites locais com altíssimas quantias.

Depois de muitos anos de supremacia maranhense, Roseana Sarney (PMDB) perdeu a última eleição ao governo para Jackson Lago (PDT). Porém, como a família sempre dá um “jeitinho brasileiro”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do político eleito democraticamente pelo povo e, segundo a lei, deve nomear o segundo colocado para o cargo, ou seja, exatamente a Roseana. Os motivos da cassação são abuso do poder econômico e político, incluindo diversas denúncias que, pelo menos por enquanto, parecem um pouco vagas. É o caso, por exemplo, dos eleitores que denunciaram compras de votos espontaneamente - depois, inclusive, um deles voltou atrás e disse que tinha recebido dinheiro para testemunhar.

As consequências recaem exatamente sobre a massa afrodescendente do estado, os inventores do arroz-de-cuxá e verdadeiros chefs de cozinha para ninguém botar defeito. Enquanto as oligarquias não saírem do poder, o quadro futuro continua bem sombrio.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Glamour X realidade


No carnaval, pisei pela primeira vez em terras portenhas. Já conhecia a Argentina, devido a uma viagem para Bariloche, mas vivi a minha primeira visita a Buenos Aires. Antes de viajar, ouvi de grande número de pessoas que conheciam o local frases como: “vá para Puerto Madero, é um luxo”; “visite o shopping da Recoleta, é maravilhoso”; “a Calle Florida é uma perdição de compras”; “Palermo é puro glamour”; “ir para Buenos Aires é como respirar ares europeus”.

Antes de mais nada, quero dizer que amei a viagem, fiquei completamente encantada com a cidade e quero voltar, com certeza. Mas o que eu vi em Buenos Aires, com olhos mais críticos e menos embaçados pelas belezas do tango, foi uma cidade sulamericana com um leque tão grande de problemas que precisam de mais do que os dedos das duas mãos para serem enumerados.

Como povo consciente que são, os portenhos exibem um semblante repleto de medo e preocupação. Justo quando a economia do país começava a se recuperar após inúmeros baques, veio esta crise internacional, que tem feito a economia degringolar. Além disso, todos os cidadãos com quem conversei reclamavam da má conservação da cidade, com lixo acumulado em todas as esquinas, aumento da violência em diversos bairros, táxis caindo aos pedaços, trânsito caótico, etc.

Mesmo os restaurantes sofriam com a falta de manutenção, que influencia até na percepção de higiene. Já os famosos prédios históricos com arquitetura de estilo europeu precisam de um melhor plano de conservação e restauração. Parênteses: o famoso Teatro Colón já está sendo renovado.

O trem do metrô (subte) que leva à Plaza de Mayo é o mais antigo da América Latina e continua sendo o mesmo inaugurado em 1913. Claro que isso fornece um ar completamente especial ao local, até mesmo exótico, mas nada agradável às seis horas da tarde, quando os vagões lotam de uma maneira absurda, bem semelhante ao que acontece em São Paulo no mesmo horário. Com a diferença que, segundo denúncias públicas, o serviço portenho de metrô chega a ser perigoso de tão sucateado: faltam extintores de incêndio, mapas de evacuação e saídas de emergência.

Enfim, o fato é que, com o charme de Buenos Aires, para acalmar os ânimos depois da experiência do subte lotado, é possível tomar um sorvete Munchi de super doce de leite. Com certeza, o melhor do mundo! Certos sacrifícios valem à pena.

terça-feira, 3 de março de 2009

Bife de chorizo: reflexo da Argentina

Visitar outro país obrigatoriamente deve incluir fortes experiências gastronômicas, que podem variar entre extremamente agradáveis e bastante complicadas, seja para o paladar, para o corpo ou para o bolso. De uma maneira ou de outra, entrar em contato com um sabor inusitado é sempre inesquecível, para o bem ou para o mal. Na Argentina, a gastronomia de um modo geral revela muitos prazeres. Em Buenos Aires, a expressão máxima é realmente o famoso bife de chorizo, uma especialidade local que assume múltiplos sabores dependendo do estabelecimento que a prepara.

Dizem que, para o padrão brasileiro, o bife de chorizo seria equivalente a uma parte mais selecionada do contrafilé. O fato é que o corte argentino transforma o pedaço de carne tradicional em um bife tenro com sabor inigualável. E o segredo da preparação é simples: não deixar passar do ponto. O tempero? Sal grosso.

O prato é a prova de que os sabores portenhos continuam os mesmos, deliciosos e inigualáveis, mas uma coisa mudou radicalmente nos últimos anos: os preços. Desde que os brasileiros começaram a descobrir Buenos Aires, há aproximadamente dez anos quando a moeda argentina se desvalorizou após a catástrofe econômica do governo Menem, visitar a cidade significava obter vantagens ilimitadas o tempo todo. Tudo era uma pechincha!

Há poucos anos (quatro ou cinco) – segundo contaram pessoas consultadas que visitaram o país neste período – era possível gastar 15 pesos para comprar uma refeição completa, que incluía, sim, o bife de chorizo e até uma deliciosa taça de vinho da casa. Hoje, a iguaria não sai por menos de 40 pesos, operando com uma média de 60. Detalhe que o cafezinho pode chegar a 10 pesos, custando, em média 5, nas principais casas da cidade.

Pode-se pensar em uma junção de valores para um crescimento tão exacerbado dos preços dos alimentos na capital argentina. Em 2008, por exemplo, o índice de inflação oficial do país vizinho, divulgado pelo Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC), foi de 7,2% - e 8,6% em 2007 -, mas calcula-se que a inflação real chegue a mais que o triplo (24%). Se pensarmos que esses aumentos nos preços são influenciados primordialmente pela alta das commodities, é possível perceber claramente por que um bife de chorizo praticamente triplicou de valor.

Para o turista, os reflexos são mínimos. Afinal, os gastos extras de uma viagem internacional devem estar previstos no orçamento. Porém, o problema maior é para os próprios portenhos, que vêem, a cada dia, o seu poder de consumo encolher, incluindo a famosa iguaria local. A atual crise só tende a piorar esse quadro.