Pólítica com tempero: o blog de curiosidades gastronômicas sobre acontecimentos sociais, políticos e culturais

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Cuba Libre!

Ao ler o rótulo de uma garrafa de Bacardi, provavelmente estará escrito: engarrafado em Porto Rico.

Entretando, o rum está para Cuba assim como a cachaça está para o Brasil. A principal semelhança é que os dois produtos são fabricados por meio da destilação da cana-de-açúcar. O mojito é a caipirinha cubana. A Família Bacardi era uma das mais tradicionais da ilha.

A primeira fábrica deles foi fundada em 1862, em Santiago de Cuba, por Don Facundo Bacardi Masso.

Desde então, a história da família Bacardi mistura-se com a da ilha. O filho mais velho de Facundo, Emilio Bacardi, foi exilado do país por promover atividades anticoloniais. O neto do fundador da Bacardi lutou no exército rebelde da independência.

Foi inclusive depois da guerra da independência que a família criou um drinque bastante temático: o Cuba Libre. No início do século XX, durante a Lei Seca norte-americana, a Bacardi se tornou ponto de visitação dos turistas dos Estados Unidos.

Na década de 1930, algumas garrafas de rum Bacardi foram produzidas fora de Cuba pela primeira vez, nas fábricas de Porto Rico e do México.

Mas o sonho acabou em 1959, com a revolução e o comunismo. A família Bacardi deixou o país abandonando todas as plantações de cana, confiscadas pelo estado durante o processo de reforma agrária. Os ilustres cubanos se mudaram para as Bahamas e passaram a passaram a maioria das operações para a fábrica de Porto Rico: aí está a explicação contida nas garrafas.

Até hoje a Bacardi Rum Co. procura recuperar suas propriedades de açúcar expropriadas pelo governo revolucionário e é uma das maiores opositoras ao regime castrista.

Hoje, o estado de Fidel produz o Havana Club: El Ron de Cuba... É um rum de exportação, produzido no bairro de Habana Vieja, na capital (foto).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Onde está Wally? Ou melhor, Che!


A foto acima mostra o velório da estudante morta durante protestos contra o governo golpista em Honduras. O que me chamou a atenção foi a foto do Che Guevara ao fundo. Reparem!

Mais uma prova de que Fidel não é, nem nunca foi, bobo ao posicionar a foto de Che estrategicamente por toda a ilha. Ícone eterno!

domingo, 20 de setembro de 2009

Embalagens de produto

Se a minha família se mudasse para Cuba hoje, só a minha mãe teria alguma possibilidade de conseguir um emprego. Tem formação em serviço social, um dos pontos altos do país.

Cansei de ouvir que ser jornalista em Cuba é muito perigoso. Em outras palavras, não há liberdade de imprensa. Ou seja, eu teria que suar a camisa para publicar qualquer reportagem.

Mas quem, com toda certeza, ficaria desempregado é meu irmão: publicitário.

Essa é a profissão mais irrelevante em um país comunista. Os motivos são fáceis de serem observados. Se não há concorrência, nem poder de consumo, nem liberdade de compra: para quê pagar um profissional cujo objetivo principal é alavancar vendas?

O supermercado é o local de Cuba onde essa total irrelevância fica completamente evidente. Com certeza, não existem empresas de trade marketing na ilha. Não há gôndolas centrais, nem displays, nem banners. Trabalho de PDV? Com qual finalidade?
Existe uma pequena gama de produtos dispostos milimetricamente nas prateleiras e há diversos seguranças espalhados pelos corredores, monitorando os passos de todos os frequentadores. As embalagens de produtos cubanos são praticamente iguais: possuem apenas as informações essenciais no rótulo. Não há licenciados, nem logos, nem identidade de marca...

A mesmice é quebrada pelos importados: há itens brasileiros, franceses, espanhóis, argentinos, venezuelanos. Marcas como Nestle, Bauducco e, pasmem, as maravilhosas sandálias Dupé (foto). Ou alguém aí achou que eram Havaianas?
Havaianas é coisa para europeu!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tão perto, tão longe: fim da URSS e exploração turística


No balneário cubano de Varadero, a menos de 200 km de Havana, tem-se uma vista maravilhosa para o mar do Caribe. Azul, cristalino, calmo e paradisíaco. Lugar ideal para atrair pessoas do mundo inteiro.

Um potencial comercialmente inexplorado até o início da década de noventa, quando o turismo passou a ser um dos maiores produtos de exportação cubanos. Esse processo não aconteceu por vontade do governo, mas por necessidade. Essa pequena abertura de mercado se deu pouco tempo depois da derrocada da URSS e da queda do muro de Berlim. Quando perdeu seus maiores parceiros comerciais, Fidel teve que se virar e aproveitou o que a ilha poderia oferecer de melhor.

O primeiro resort, Sol Meliá Palmeras, foi construído em 1990 e inaugurado pelo próprio Fidel Castro. A foto do ditador, a história do local e o hino revolucionário de Cuba estão na porta do empreendimento, que é uma sociedade entre os espanhóis da rede Meliá e o governo de Cuba. De lá para cá, aproximadamente um resort é inaugurado ao ano na cidade.

Hoje, são 18.

A renda que entra da exploração turística tornou possível algumas pequenas modernizações na infraestrutura do país caribenho: compra de novos ônibus, pavimentação de rodovias, presença de carros europeus 0km para aluguel.
A maioria dos cubanos deseja trabalha na rede hoteleira, onde ficam mais próximos desse mundo moderno. Dentro dos resorts, é possível se esquecer de que estamos em Cuba, das pobrezas do país e de todas as mazelas pelas quais passam a população. É quase como visitar a Disney.

A comida também.

Dentro dos resorts, existe um mundo mágico de aromas e sabores. São restaurantes dos mais diversos tipos de culinária mundial: italiana, alemã, espanhola, chinesa e, é claro, caribenha. Há opções para todos os tipos de paladares. A maioria dos vinhos vem da Espanha, mas é o rum cubano que cai nas graças dos turistas.
Uma breve visita ao centro de Varadero traz a realidade regional: os cubanos comem em carrinhos de lanches e pizzas (foto), sem guardanapo, pois o papel é escasso e o mais curioso é que, por motivos óbvios, as travessas são retornáveis. Como tudo na ilha de Fidel, os utensílios têm décadas de existência.
PS: Lembrando que os norte-americanos não podem visitar Cuba

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Muro de Berlim de sorvetes

Final de tarde quente de Havana. Faz 32 graus. Acredite, a sensação térmica é de muito mais. Em uma caminhada rápida pelo bairro de Plaza de La Revolucion, é possível observar uma movimentação estranha de cubanos. Em grupos, grandes ou pequenos, todos caminham para o mesmo lugar: a praça central.

Nela, está localizada a sorveteria Coppelia, inaugurada no dia 4 de junho de 1966. Após os primeiros anos da revolução, as três principais marcas de sorvete – Guarina, Hatuey eSan Bernardo –haviam desaparecido. A inauguração da Coppelia foi motivo de festa. 43 anos depois, os cubanos ainda se deslocam de todos os lugares de Havana, ou até mesmo de outras províncias, para se refrescar com um sorvete. Em plena segunda-feira, as filas são longas e é preciso resistir à espera.

Aos finais de semana, o local recebe mais visitantes do que o permitido pelo espaço físico. E olha que a sorveteria ocupa grande parte do o centro da praça, além de ter quatro salas com mesas no andar de cima. Há militares por toda a parte. Também há correntes cercando as filas e o entorno da praça. O acesso ao local onde os sorvetes são vendidos é restrito.

O mais curioso é que, enquanto os moradores da ilha se aglomeram nas filas, os turistas podem comprar o mesmo sorvete em uma barraquinha ao lado. O que separa os dois produtos? A resposta é simples: os vendidos aos turistas custam 70 vezes mais.
Não, você não leu errado. O mesmo sorvete que custa 1,10 peso cubano para eles, sai por 2,80 CUC para nós. Como cada CUC vale 25 pesos cubanos, é só fazer as contas. Um turista paga 6,2 reais por um sorvete de massa de uma bola e pode escolher entre três maravilhosos sabores: morango, amêndoas e laranja.

Lembrando que esse não é o único sorvete de Cuba. Existem diversas marcas conhecidas nossas no país, como a Nestle. Mas acho que ficou bem claro por que todos os locais preferem a Coppelia, não é mesmo? E não tem nada a ver com variedade de produtos, ambiente, propaganda, estratégia de marketing, qualidade...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Jorge, o pintor

Esse rapaz sorridente da foto se chama Jorge. É um cubano de 38 anos e uma filha de dez meses. Trabalha como pintor de paredes. Ganha 210 pesos cubanos por mês. Tem 38 anos. Sonha em fugir para um país como o Brasil e montar seu próprio negócio.

Vive no centro de Matanzas, a capital da província homônima, no norte de Cuba. O local foi o último ponto por onde passou a revolução do general Guevara. A cidade possui um monumento na Plaza de La Libertad em homenagem aos heróis do movimento.

Como todos os outros habitantes da ilha, Jorge recebe uma cesta básica do governo, descontada do salário. Mas, segundo ele, essa comida dura no máximo 15 dias.

Depois que os alimentos acabam, ele precisa se dirigir ao mercado da cidade para adquirir mais comida. Tudo a preços super altos. Um quilo de carne de porco, por exemplo, não sai por menos de 35 pesos cubanos, 16,6% do salário de Jorge.

Para conseguir comprar o leite da filha, repassa “habanos”. Em outras palavras: revende charutos no mercado negro, para os turistas. A carga é desviada das fábricas da capital do país.

Existem milhões de cubanos como Jorge.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Como comem os turistas, como comem os locais

Para entender Cuba, é preciso saber que o país vive a dualidade da existência de dois ambientes que circulam paralelamente dentro do mesmo. Esses universos se diferenciam por um ponto principal: o dinheiro. São duas faces da mesma moeda.

De um lado, está o peso cubano, aquele que possui os heróis da revolução estampados. A cédula de três pesos, por exemplo, carrega a famosa foto de Che Guevara "hasta la victoria siempre", a mesma usada nas camisetas na Praça da República, centro dos revolucionários e bichos-grilo paulistanos. Do outro lado, está o peso convertible (CUC), cuja identidade gráfica "imita" a do euro.

A realidade do câmbio: cada CUC vale 1,26 euros, ou 0,80 dólares ou 25 pesos cubanos. Um habitante da ilha ganha, em média, 210 pesos cubanos por mês, ou seja, menos de nove pesos "dos turistas".

A moeda dos revolucionários lidera uma realidade barata dentro país, mas com pouco poder de compra de produtos industrializados ou importados. Quem ganha em peso cubano só tem acesso ao que é produzido em Cuba (ou o que é subsidiado por nações "irmãs"): basicamente comida não-industrializada (leia-se commodities), roupas em linha de montagem, produtos baratos, simples e de pouca tecnologia.

Para quem tem acesso aos CUC (apenas turistas ou profissionais que recebem gorjetas na hotelaria), há uma ampla gama de alimentos importados da Europa e América Latina. É possível achar, até, Coca-cola, além de produtos de marcas conhecdas pelos brasileiros, como Bauducco. Entretanto, uma torrada que custe 1 CUC representa mais de 10% do que a maioria dos cubanos ganha mensalmente. Deu para sentir o drama?

Um cubano dificilmente conseguirá experimentar comidas como as nossas: chocolates gostosos, biscoitos recheados, pratos congelados, pizza semipronta... Em tempos de obesidade latente, seria um problema ou uma sorte?

E o Obama segue com o embargo por mais um ano!

------------

Na foto: Plaza de la Revolución

Cuba, economia, política e comida



Durante todo este mês, política com tempero traz uma série exclusiva de artigos sobre a terra dos irmãos Castro. Falaremos sobre comidas cubanas, moedas cubanas, sorvetes cubanos, restaurantes cubanos, bodegas cubanas, rum cubano e povo cubano.

Enfim, tudo sobre a simpática e complicada ilha.

Para começar, uma explicação sobre como funcionam as duas moedas locais. Sem essa compreensão, fica impossível entender as dualidades da exótica culinária de Cuba.