Pólítica com tempero: o blog de curiosidades gastronômicas sobre acontecimentos sociais, políticos e culturais

domingo, 31 de maio de 2009

O almoço do brasileiro – Parte II: A humilhação contra-ataca

A partir de hoje, nunca mais reclamarei da porta giratória da instituição bancária que frequento. Nem preciso dizer que, como toda mulher, sou sempre barrada no detector de metais e tenho que tirar uma infinidade de bugigangas da bolsa para conseguir adentrar o local.

Mas neste dia chuvoso, lembrei que tinha de ir ao banco justamente no pior horário: o almoço. Exatamente naquela uma hora em que as pessoas teoricamente teriam de estar se dedicando a encher a barriga, e os corações, com pratos típicos da gastronomia brasileira, todos estavam ali se amontoando na enorme fila para resolver pendências.

Sortuda que sou, precisava apenas falar com a gerente da minha conta. Para minha surpresa, a porta não tinha detector de metais e passei tranquilamente por ela. Sentei na poltrona para esperar ser atendida e, quando olho para a porta, vejo dois rapazes serem barrados pelo segurança.

Ambos eram afrodescendentes, estavam com o uniforme da maior companhia de manutenção de elevadores do País e, por conta do trabalho, os trajes tinham graxa por todos os lados. A cena me causou certa revolta. Fiquei pensando em como o trabalhador brasileiro tem que aguentar uma rotina estressante em uma cidade como São Paulo e ainda ser discriminado na entrada do banco.

Para piorar, eles sentaram ao meu lado e estabeleceram o seguinte diálogo:
- Quanto tempo esse pessoal de banco vai levar para entender que quem quer roubar não passa pela porta? – perguntou o primeiro.
- Se o cara quer entrar pra roubar, vem vestido de executivo, arrumadinho, com terno – constatou o segundo
- Ainda dá tchau para a câmera – apostou o primeiro

Com o estômago roncando, o primeiro perguntou?
- Será que a gerente vai demorar muito? Eu estou com uma fome.
- Saindo daqui, almoçamos um cheesesalada aí na frente.
Por Vivian Peres

sexta-feira, 29 de maio de 2009

O almoço do brasileiro (parte I): A jornada se reduz

Sempre me perguntei como é possível desenvolver uma boa alimentação diária tendo que sair do trabalho, entrar na fila do restaurante, servir-se, almoçar, pedir a sobremesa, pagar a conta e estar a postos para a jornada vespertina em apenas uma hora.

Há alguns anos, o intervalo de almoço era o dobro desse tempo e alguns felizardos podiam ainda voltar para casa, assistir a um pedacinho do jornal e fazer a sesta – que por sinal aumenta a qualidade do desempenho laboral e faz bem ao coração, à mente e ao corpo.

              

Em uma cidade como São Paulo, os próprios colaboradores optam por reduzir o intervalo de realização da principal refeição do dia. Uma análise simples pode levar a dois motivos aparente: passe-se mais tempo no trânsito, sendo preciso reduzi-lo em outras áreas, e, como sempre, a influência do modelo de gestão norte-americano.

Cada vez mais e mais, as escolas de negócios seguem a cartilha do Tio Sam, ensinando o modelo de business ditado pelos nossos vizinhos, no qual a regra básica é: menos é mais. Ou seja, menos almoço é mais trabalho. Com hábitos alimentares alijados por todo o mundo e reconhecidamente pouco saudáveis, o norte-americano típico nem sai do escritório para comer, prefere fazer isso na própria mesa.

Não é coincidência que almoço, em inglês, é lunch. Ou seria lanche? Na cultura deles, a fome é perfeitamente saciada com um sanduíche de pasta de amendoim com geleia. Felizmente, na nossa, um belo prato de arroz com feijão ainda é muito valorizado, porém, um dia, pode deixar de ser.

Mas pior do que ter de enfrentar a fila do restaurante, é ter de gastar a sagrada hora do almoço para resolver pendências burocráticas e depois ainda ter de se contentar em comer um misto-quente.

A parte II desta trilogia traz uma descrição reveladora de como pode ser triste o momento em que um brasileiro típico deveria estar almoçando.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Milionários sem casa


Como um filme pode arrecadar U$S 262 milhões e parte de seu elenco continuar vivendo em situação de extrema pobreza, sem casa e com pouquíssima comida? Esse é o retrato da situação em que vivem os atores mirins de “Quem quer ser um milionário?”, película que arrematou nada menos do que oito estatuetas do Oscar.

Após o sucesso, nada mudou na vida dos atores Rubina Ali e Azharuddin Ismail M. Shaikh, que interpretaram respectivamente os personagens Latika e Salim crianças. Além de continuarem vivendo em uma favela de Mumbai – o slum, que deu nome ao título original Slumdog Milionaire –, perderam as casas graças a uma demolição oficial, que incluiu as habitações em estado precário.

Em meio a galinhas que podem virar jantar e esgoto a céu aberto, sem higiene, nem saneamento, vivem amontoados em habitações pequenas, sobrevivendo da ajuda de familiares. O produtores do longa explicam que foi dado um alto cachê às crianças, porém, devido às leis indianas, o dinheiro só poderá ser usado quando elas completarem a maioridade.

Pode parecer um pensamento simplista, mas a pergunta é: não há nenhuma brecha na lei, como, por exemplo, fazer uma doação espontânea em dinheiro à família dos atores? Com certeza, nenhuma lei impede os produtores de conseguirem empregos bem remunerados para os pais dos pequenos, o que poderia ser outra solução.

O filme, que eu considerava um dos roteiros mais bem amarrado dos últimos tempos e uma das premiações mais inteligentes da academia, perde fãs. Mostra que a crítica artística é importante para a reflexão e deve ser feita, sempre. Mas só há significado real e profundo quando existe coerência entre discurso e ação.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Neurose do porco

Há algum tempo, entrevistei o médico psiquiatra Isaac Efraim. Especialista em fobias e distúrbios ligados à ansiedade e ao medo, explicou algo que hoje parece até um tanto quanto óbvio: o medo é uma ansiedade extrema. A ex-gripe suína, que agora é chamada de Gripe A (H1N1), é uma prova latente de que o descontrole emocional contemporâneo causa pânico generalizado.

Por exemplo: apesar de já estar claro que a gripe não é tão perigosa e da Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmar que o consumo de carne cozida não transmite o vírus, os suínos já registram quedas nas vendas globais.

O frigorífico JBS-Friboi, gigante do setor presente em 18 países, comenta que China, Rússia, Coreia do Sul, Indonésia e Tailândia embargaram os produtos originários dos Estados Unidos e do México. No Brasil, mesmo com poucos casos confirmados, em alguns estados, como Goiás, as quedas nas vendas desse alimento chegam a 60%, de acordo com dados do Sindicato Varejista de Carne Fresca (Sindiaçougue).

Tudo isso aponta ansiedade endêmica causando verdadeira globalização da hipocondria: pessoas comprando remédios preventivos, máscaras por toda parte, produtos portáteis de higienização, etc.

Mas um fato chama ainda mais a atenção para a loucura geral: nos Estados Unidos, estão sendo organizadas festas para contrair a doença.

Pode parecer um contrassenso, mas a ideia de quem participa é que devem pegar a gripe agora, enquanto o vírus é “fraco”, preparando, assim, o sistema imunológico para uma possível mutação que torne a doença mais letal. Cientistas garantem que a precaução não tem “pé nem cabeça”.

As pessoas estão tentando se prevenir de algo que nem sabe se vai acontecer, contraindo um vírus poucos conhecido, que age no corpo de cada pessoa de maneira imprevisível. Entre uma bebidinha e outra no copo alheio, em meio a quitutes e hot dogs, sai uma rodada de gripe do porco.

Impossível não se lembrar da explicação de Efraim sobre o medo, pois os níveis de ansiedade mundiais estão cada vez mais intensos. Isso sim é pandemia!

PS: E o Ministro da Agricultura diz que, caso as exportações de suínos caíam, vai convidar o presidente Lula para comer porco no rolete. Tudo para provar que pode!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Obama e a gastronomia

Tudo o que Barack Obama faz vira notícia. Natural para o homem mais poderoso do mundo. Mas a imprensa norte-americana tem verdadeira obsessão pelo cardápio presidencial. Basta o presidente experimentar qualquer prato que saia do protocolo e a informação vira notícia internacional. A rede televisiva CNN noticiou no último domingo (10 de maio) duas escapulidas do líder.

A primeira foi uma tentativa de ficar a sós com a esposa Michelle. Segundo a reportagem, antes de virarem o primeiro casal da América, os Obama costumavam “namorar” pelo menos uma vez por semana. Durante os cem primeiros dias na presidência, não conseguiram manter a tradição. Resolveram, então, agendar uma noite romântica, dia 4 de maio, no badaladíssimo restaurante Citronelle, do chef Michel Richard (fotos), no charmoso bairro de Georgetown.

O local é reconhecido como o melhor estabelecimento da capital federal e ironicamente foi um dos restaurantes retratados no filme “Uma noite com o presidente”.

Ao chegarem havia mais de 200 pessoas na porta, além de 30 jornalistas. Mesmo assim, mantiveram os planos, sentaram em uma mesa reservada e pediram dois dry martinis. Ele comeu costelinhas, ela hambúrguer de lagosta. Detalhe para ser aprendido no Brasil: a conta, de 200 dólares, foi paga com cartão pessoal do presidente. Michele ainda distribuiu beijinhos ao chef.

O segundo fato noticiado exaustivamente foi a ida do presidente, juntamente com o vice Joe Biden, à lanchonete Ray's Hell Burger, um estabelecimento comum, em Arlington, na Virginia. O primeiro pediu sanduíche de cheddar e o segundo, cheeseburger. Qual é a novidade nisso?

Realmente, cada vez mais acredito que a comida tem verdadeiro poder político, unificando as pessoas e causando automática identificação dos homens públicos com a massa. Alguém duvida?

E por falar em Obama... Com a renovação da Casa Branca, Washington entrou para a mira da revista People. Famosa por noticiar fatos envolvendo celebridades, a publicação faz periodicamente o ranking das 100 pessoas mais bonitas do mundo. Neste ano, destacou beldades do novo governo. A lista inclui o secretário do tesouro Timothy Geithner, o chef de cozinha oficial Sam Kass e, é claro, a primeira-dama Michele.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Jantar chique com o dinheiro alheio

Acho que nem é preciso dizer que a verba indenizatória de R$ 2,2 milhões gasta no primeiro semestre deste ano pelos senadores nacionais inclui abusos relacionados à alimentação que vão do cafezinho do gabinete a despesas em restaurantes para “reuniões políticas”.

Afinal, como o dinheiro é liberado mediante apresentação de nota-fiscal, elas acabam vindo das mais diferentes fontes. Gastos com locomoção, alimentação, hospedagem, combustíveis e lubrificantes são os preferidos.

O líder dos tucanos na casa, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), ainda admitiu ter dúvidas quando à utilização um tanto quanto “gastronômica” do dinheiro público, informa a organização Transparência Brasil: “Por conta da falta de regulamentação, era tudo muito vago. Eu me questionava: posso pedir o ressarcimento dos gastos em um jantar com prefeitos?”, disse o parlamentar.

O pior detalhe é que o contribuinte não possui o direito de saber quanto e onde cada senador usou especificamente a verba. Em outras palavras, eles podem levar quem quiserem ao restaurante que bem entenderem e nenhum eleitor vai ficar sabendo. Isso é Brasil!